Créditos e narrativas jornalísticas

«Portugal obtém financiamento de 1.009 milhões de euros com juros mais baixos

IGCP pagou menos de 3% para emitir 577 milhões de euros de dívida a dez anos, sendo que o custo das obrigações com prazo de 21 anos também baixaram, refletindo o alívio da política do BCE.

Portugal foi esta quarta-feira aos mercados para se financiar em 1.009 milhões de euros e os custos de financiamento baixaram consideravelmente em comparação com o anterior leilão.» – ECO

  • Juros mais baixos? 
  • Custos baixaram?
  • Alívio da Política?
  • Baixaram consideravelmente?
  • Redução dos custos?

    Mas que raio de descrição é esta, quem lê o artigo do Eco, fica com uma sensação que estamos numa situação económica boa. É o mesmo que dizer que no mês passado morreram 10 pessoas, mas este mês APENAS morreram 9. Não é “apenas”, ser 10 ou 9 ou até mesmo 1, são demasiadas mortes.

    Passar de 3,433% para 3,304%, não é bom, é apenas menos mau. 

    Portugal está com um problema gravíssimo, vive de crédito, uma dependência atroz, como qualquer toxicodependente. Esta narrativa jornalística que minimiza, menospreza o problema, que dá a entender que crédito é bom, é o sistema em autonegação, que não consegue ver o problema que tem entre as mãos.

    Bom, é não dever a ninguém. Bom é viver sem a dependência do dinheiro dos outros. Só existe liberdade, quando existe liberdade financeira. Quando existe crédito, existe dependência e subserviência.

    Quem escreve estas notícias, será que fez realmente as contas do real peso/consequências destes créditos ao país?

    Certamente não, porque se as fizesse e pensasse pela sua própria cabeça, não menosprezava o problema.

    Já fazemos créditos com maturidades superiores a 20 anos, que absurdo é este? Se tudo correr bem, quem nasceu hoje, daqui a 21 anos, está no seu primeiro emprego a pagar esta dívida, que estamos agora a criar. Vai pagar por algo, que possivelmente já não existe ou já demasiado deteriorado. E o mais irónico, no momento do pagamento, a maioria dos políticos responsáveis por isto já estão mortos, 20 anos é muito tempo, demasiado tempo.

    Além disso, irrita-me solenemente a atitude das pessoas perante isto, a sua indiferença perante o problema.

    ”Isso é coisa do estado, não tenho interesse”

    Como não tem interesse? O estado é uma entidade abstrata, o estado somos todos nós, cidadãos deste respectivo país. Esta dívida, somos nós e nossos filhos que vamos ter que pagar, ou através de impostos ou inflação ou ambas.

    Nós, como sociedade, temos que parar por um instante e refletir naquilo que estamos a fazer. Nós estamos a hipotecar a vida dos nossos filhos ou netos, para quê? Porque estamos a pensar apenas em nós, no nosso umbigo, no nosso bem-estar, estamos a antecipar recursos futuros e consumi-los agora, para aumentar o bem-estar imediato. Nós somos egoístas, sem empatia com as próximas gerações.

    Sim, nós, nós sociedade, a culpa não é só dos políticos, é de TODOS. Se os políticos estão lá, porque fomos nós que votamos neles. Se eles gastam mais do que têm, é porque nós queremos tudo grátis, porque o político que promete mundos e fundos, acabam sempre por ganhar a eleição. Na vida não há almoço grátis, tudo tem um custo e neste caso o custo é demasiado elevado. Mais tarde ou mais cedo, a conta tem que ser paga, é inevitável.

    Vamos analisar estas contas:

    «Na linha de dívida com o prazo a 10 anos, o IGCP aceitou pagar aos investidores uma taxa de juro de 2,851% por um montante de obrigações do Tesouro de 577 milhões de euros»

    €577M a 10 anos com uma taxa de juro de 2,851%:

    Assim, quando a maturidade terminar, temos que devolver, além do valor inicial, mais de 187 milhões de euros em juros. O custo do financiamento, não foi de “apenas” de 2,851%, mas sim, +32% de juro.

    «Já no prazo a 21 anos (maturidade em 2045) a agência que gere a dívida pública, liderada por Miguel Martin, colocou 432 milhões de euros com uma taxa de juro de 3,304%»

    €432M a 21 anos com uma taxa de juro de 3,304%:

    Em 2045, o custo vai ser superior a 408 milhões de euros, cerca de 92% de juros.

    Afinal de contas não é apenas 3%…