Uma excelente entrevista de Natalie Brunell a Michael Saylor, aconselho a sua visualização.
Sem dúvida alguma, Saylor é muito inteligente, mas algo que sempre me inquietou ou gerou muitas dúvidas, é o seu ponto de vista sobre o Bitcoin como meio de troca(MoE). O seu pensamento (como MoE) sempre foi muito abstrato, evitava falar do assunto, era quase um tabu. Eu acreditava que essa atitude era devido a ter receio das autoridades dos EUA.
Mas nesta entrevista, ele falou mais do assunto, defendendo um mundo onde o Bitcoin como uma reserva de valor(SoV) e o dólar como a MoE, uma moeda global. Ou seja, o pensamento geral dos milionários de Wall Street, que só vê EUA, não tem a mínima noção da realidade ao seu redor, de como vivem os mais pobres em todo o mundo. Quando viajam, só vão para hotéis de 5 estrelas ou para condomínios de luxo ou fechados, não conhecem a realidade.
Não faz qualquer sentido, o dólar ser uma moeda oficial de todos os países, utilizada por todas as pessoas do mundo. Certamente algumas beneficiaram, mas no geral não haveria benefícios, a não ser para o EUA, que poderia financiar-se inesgotável e exportar diretamente inflação para todos os países. Se hoje em dia, o dólar como moeda de reserva mundial, indiretamente consegue exportar inflação, como MoE global, seria bem pior. Era o mundo inteiro a financiar um único governo, um único país. Os países do mundo e os seus cidadãos ficariam escravos, dependente das opiniões e da atitude do governo dos EUA. Seria um Franco CFA global.
É claro que o mundo beneficiaria com a existência de uma MoE global, mas este tem que ser neutro politicamente e economicamente, ter inflação zero é fulcral.
Saylor nunca escondeu que só olha para o Bitcoin como uma SoV, descartando o MoE e a auto-custódia.
Eu tenho opinião contrária, a meu ver, o que é revolucionário no bitcoin é o MoE, permitir a qualquer indivíduo do mundo ser livre, ter acesso a uma conta bancária, ter um dinheiro que não é monitorizado ou controlado por um governo. Permitir aos mais podres, que a sua única riqueza, são meia dúzia de moedas, que permitem apenas comprar a refeição do dia seguinte, não ser roubado pelo seu governo através da desvalorização cambial ou inflação.
É claro que o Bitcoin necessita de ser uma boa SoV, mas ao mesmo tempo também tem que ser uma MoE. Este é o principal problema das moedas FIAT, não são uma boa SoV, foram projectadas para perder poder de compra continuamente. Ter as duas características em simultâneo e ser acessível para todos os cidadãos do planeta, é que é revolucionário.
Na maneira como o Saylor olha para o Bitcoin, no meu ponto de vista, faria mais sentido ele ter apostado no ouro. Ele olha para o Bitcoin, apenas com as mesmas caraterísticas que o ouro, mas Bitcoin vai muito mais além disso. Em todas as características onde o Bitcoin é melhor que o ouro, o Saylor não usa/gosta. A divisibilidade, portabilidade, verificabilidade, fungibilidade, sem contra-parte e a soberania são características especialmente úteis para quem usa o bitcoin como MoE.
As caraterísticas onde (agora) o ouro é melhor que o Bitcoin, como a história e a adoção, sobretudo nos bancos centrais e no mundo financeiro, é apenas isto que o Saylor procura, possivelmente faria muito mais sentido ter apostado no ouro.
Volto a frisar, eu compreendo que o Saylor evite defender publicamente o Bitcoin como MoE, por ter medo de represálias, mas não faz qualquer sentido defender o dólar como moeda global. É completamente legítimo alguém querer apenas o Bitcoin como SoV, não querer utilizá-lo como moeda. Cada um é livre de fazer o que quer da sua vida e do seu património. Mas o Saylor ao dizer que o dólar é melhor que o Bitcoin, como MoE, só demonstra que ele não reconhece o real valor do Bitcoin.
MicroStrategy
O Saylor, ao mesmo tempo que defende o sistema financeiro FIAT, aproveita-se dele para fazer um ataque especulativo, ao próprio sistema. Aproveita as lacunas, do crédito barato existente, para comprar mais Bitcoin. Na entrevista, reafirma, que a MicroStrategy é um ativo alavancado de Bitcoin.
É curioso como ele o descreve, é alavancado mas sem a chamada de margem.
Pode não ter chamada de margem, mas continua a ser alavancado, continua a existir um risco, as notas conversíveis tem que ser devolvidas. É provável que no fim das maturidades das notas, o Bitcoin valerá mais que hoje, neste caso não existirá grande problema. Apesar de ser pouco provável, pode acontecer o contrário e se isso acontecer, será problemático.
O Saylor não pára de comprar Bitcoin, os créditos são cada vez mais elevados. A MicroStrategy começa a ser um problema. O curioso, é que o mercado está extremamente confiante e continua a comprar as notas conversíveis, na última emissão foram com uma maturidade de 2029 e com taxa de juro de 0%.
Ativos digitais
Outro ponto que gerou alguma controvérsia, é o Sayler defender os RWAs. Alguns bitcoiners criticaram-no e disseram que ele deixou de ser maximalista e os shitcoiners começaram a comemorar.
Neste ponto, eu compreendo o seu ponto de vista e até concordo com o Saylor, o sistema financeiro necessita de se modernizar, de estar disponível 24 por 7. Eu acredito que o futuro do sistema financeiro vai passar pela blockchain, mas será algo muito diferente daquilo que os shitcoiners imaginam. Os RWAs não vão ser em Solana ou Ethereum, não haverá tokens nativos ou tokens dos protocolos.
Eu vejo a BlockRock a criar uma blockchain própria, um sistema que fará concorrência direta à bolsa de New York, mas esse ecossistema terá como tokens nativos um sistémico do dólar, uma stablecoin. Tudo será monitorizado e controlado pela BlockRock, incluindo as regras de consenso da rede e os validadores, KYC e a emissão dos RWAs.
Blockchain é uma tecnologia que poderá ser muito útil, quando bem utilizada. O grande problema, é que os shitcoiners utilizam a tecnologia apenas para enriquecer, para vender tokens nativos ou tokens de protocolos ou tokens de governança, são tokens por tudo e por nada, isto é que não faz qualquer sentido. E como Saylor voltou a frisar: “There is no second best”.