Tempestade Perfeita

Portugal tem vários problemas, alguns crónicos, que estão constantemente a crescer, um dia vão rebentar, será inevitável.

Mas existem dois problemas que se destacam, a Dívida e a Segurança Social. Qualquer um deles individualmente é um grave problema, com consequências profundas na sociedade, agora se arrebentam todos ao mesmo tempo, será desastroso, será uma tempestade perfeita.

A estes dois, junta-se outros mais pequenos que vão acelerar e aprofundar a crise.

Segurança Social

A Segurança Social, especial os fundos de pensões, é possivelmente o principal problema, foi construída em forma de ponzi ou como os políticos gostam de dizer: Solidariedade intergeracional.

É uma bomba relógio.

Eu concordo que é essencial a Segurança Social, para gerir as reformas dos portugueses, devido à iliteracia financeira generalizada. A maior parte dos portugueses não sabe poupar e outra parte tem salários baixos, não tem possibilidades de poupar.

Sem os descontos forçados para a SS, é verdade que o rendimento disponível aumentaria, mas a maioria dos portugueses iria gastar tudo e nem um tostão em PPRs.

Alguns grupos políticos, especialmente de direita, defendem um sistema privado, dar a liberdade às pessoas de fazer a gestão da sua futura reforma. Teoricamente até era interessante mas na prática seria dramático para o país no futuro

Quando tivesse a idade da reforma, a maioria das pessoas não tinham qualquer PPR e ficavam na miséria, os sem-abrigo iriam disparar. Se agora com reformas baixas, as pessoas vivem em dificuldades, como seria  sem qualquer rendimento. E teria que ser o governo a ajudar essas pessoas, ou seja, impostos públicos, um sistema exclusivamente privado não é solução para Portugal.

Atualmente a forma que existe, é um verdadeiro esquema ponzi, onde os mais novos pagam aos mais velhos, o sistema tem que ser reformulado.

O dinheiro dos mais novos deveria ser guardado e no futuro esse valor seria “devolvido” a quem fez as contribuições. Mas isto só vai funcionar se existir um dinheiro forte, que não seja desvalorizado ao longo do tempo. Se não existir um dinheiro forte, qualquer que seja o sistema vai colapsar.

Também devia ter um tecto da pensão, talvez de 2x ordenado mínimo, não faz sentido algumas pessoas receberem dezenas ou centenas de vezes mais que o ordenado mínimo.

Apesar de existir limites nas reformas, mas nos descontos não existem, a percentagem é igual para todos. Assim quem tem vencimentos elevados, vão ajudar a financiar as reformas dos mais pobres, assim existe solidariedade.

Assim as pessoas com um vencimento muito alto, sabe de antemão, que vão ter uma reforma mais baixa que os seus salários quando estava no activo. Logo terão que fazer PPR/poupanças/investimentos, se querem manter o estilo de vida.

Só que agora estamos com um problema, a SS está descapitalizada, assim teremos que arranjar novas fontes de financiamento para compensar. O modelo da Noruega é ideal, eles colocam as receitas geradas pelos petróleo para financiar a SS. Nós não temos petróleo, mas temos que arranjar outras fontes de financiamento. E quanto mais tarde o processo de recapitalização, mais custará.

Como todos os ponzis têm um problema, só são viáveis quando o número de novos membros é superior aos membros mais velhos. Quando o número de novos membros cai, o ponzi implode e como nós sabemos que Portugal está com o problemas do envelhecimento da população, cada vez nascem menos pessoas.

O problema da SS será inevitável, é só uma questão de tempo.

Dívida

A dívida é outro enorme problema de Portugal, mas esta tem várias “frentes”, a dívida soberana, a dívida das empresas e a dívida dos cidadãos. E em todos os casos o país está extremamente endividado.

A dívida soberana atinge perto dos 130% do PIB, está quase no ponto de quase impagável. O país todo vive muito acima das suas posses.

O problema é que no caso da dívida soberana, estamos a colocar o peso do pagamento dessa dívida nas próximas gerações, ou seja, gastamos agora o dinheiro e as próximas gerações vão ter que pagar…

A crise de 2012 teve origem na dívida soberana, na época a dívida já era enorme e o juro subiu muito, tornou impossível o financiamento dessa mesma. Portugal não teve outra solução, que pedir ajuda internacional, do FMI.

Passaram 10 anos, a dívida ainda está maior e os juros estão a começar a aumentar. Portugal está numa fase, fazer dívida para pagar dívida anterior, o que os economistas chamam de rolar dívida.

Não existe só Dívida Soberana, existe por todo o lado, nós somos um país que vive de dívida, vivemos muito acima das nossas possibilidades

No caso do crédito habitação é um mal necessário, não existe outra possibilidade de comprar uma casa sem o crédito. Mas para os restantes créditos, ao consumo, cartões de crédito, deveriam existir leis fortemente restritivas.

As empresas também estão superendividadas, chegando ao cúmulo, de empresas que contraem dívidas exclusivamente para pagar dividendos aos seus acionistas.

Mercado de Trabalho

O Mercado de Trabalho é outro problema, afeta particularmente os mais novos, que a longo prazo terá consequências terríveis na Segurança Social. Agora a maior parte dos contratos são precários e/ou muito baixos. Basta ver as estatísticas e a percentagem de pessoas a receber o salário cada vez é maior.

E quem consegue um contrato, são sempre de curto prazo. É inadmissível empresas, que num único trimestre tiveram lucros de várias centenas de milhões, com uma parte significativa dos empregados tem contratos inferiores a 1 ano. Onde os funcionários estão regularmente a assinar renovações de curta duração e nunca fazem contratos longos e claro sempre com salários baixos. Os funcionários não conseguem adquirir estabilidade.

Agora a nova moda é o outsourcing, um conceito diferente mas com o mesmo objectivo, manter os funcionários preçários.

Nem vou falar do pior, os falsos recibos verdes e dos casos de empresas que exploram estagiários.

Mercado Imobiliário

O Mercado Imobiliário em Portugal é uma bolha enorme, em todo lado as casas estão caríssimas, desde dos grandes centros ao rural. Esta bolha tem características diferentes das anteriores, a principal origem foi os cidadãos estrangeiros e depois alastrou-se aos nacionais. 

Após a crise da dívida soberana de 2012, Portugal ficou na moda a nível mundial, começamos a receber turistas como nunca antes, as taxas de crescimento foram absurdas. Foi graças a esta enorme onda de turistas que tirou o país da crise e dos braços da troika.

Devido à crise, na época os preços do imobiliário eram baixo em relação a outros países, ao mesmo tempo a taxa de juro estava a zero devido à expansão monetária, foi um cocktail explosivo. Houve muitos investidores que tiraram dinheiro dos bancos e investiram em imobiliário, a todos os níveis, desde de casas, prédios inteiros, parques de logísticas, zonas comerciais, blocos de escritórios.

O governo também criou programas para atrair estrangeiros, através dos GoldenVisa ou os impostos baixos para reformados. Os GoldenVisa atraíram cidadãos muito ricos, inflacionando o mercado de casas de luxo. 

Mas a maior pressão de compra de casas aconteceu no mercado da classe média, havia uma alta procura, vinda de todos os lados. Começou pelos reformados estrangeiros, depois a transformação de casas para alojamento local, para Airbnb.

O Airbnb está transformando os centros urbanos das cidades em parques de diversões para turísticas, os cidadãos que viviam em casas da classe média tiveram que sair dos centros urbanos devido aos preços e foram viver para zonas periféricas e os que viviam na periferia tiveram que ir viver para mais longe. 

Essa mobilidade das pessoas gerou uma inflação em cascata das casas e por todo o país.

O nosso mercado de habitação não era muito grande e como agora parte dele está reservado para estrageiro/turismo, tornou-se muito curto para os portugueses, faltam muitas casas. As empresas de construção não conseguem acompanhar a procura, isso gerou também uma inflação de preços na construção e nos materiais. 

Apesar de existir uma enorme bolha no imobiliário, eu não acredito que vai explodir, possivelmente o preço vai estagnar ou recuar ligeiramente, a probabilidade de explodir é muito baixa, mesmo que aconteça uma crise.

A bolha só poderá explodir, caso Portugal deixe de estar na moda, os milhões de turistas deixem de vir e parte dos estrangeiros vendem as casas. As casas que estão em mão de estrangeiros e em Airbnb, já são uma percentagem significativa do mercado imobiliário, e se todas essas casas ficam disponíveis para os portugueses, aí sim será um problema, a oferta será muito superior à procura. Mas é um cenário pouco provável.

Sociedade Selfie

Com o passar do tempo, as gerações estão cada vez mais egocêntricas, fúteis e com pouca empatia. Estamos a criar uma Geração Selfie, onde o próprio se acha o centro do mundo.

Anteriormente a fama era consequência de trabalho meritório, agora são famosos apenas por terem fama. Agora basta expor o corpo para ser famoso, entrar em reality show ou exibir corpos desnudados nas redes sociais.

Uma geração, onde é mais importante mostrar felicidade, que sentir felicidade. Onde vale tudo para ganhar dinheiro, desde demonstrando uma falsa felicidade e claro muita ostentação nas redes sociais. Seguindo à risca a máxima mítica de Andy Warhol , “falem bem ou mal, mas falem de mim”. Por vezes são verdadeiros fundamentalista, sem escrúpulos.

Depois existem os influencers, que não tem problemas em divulgar/vender produtos ilegais, enganar os seus próprios seguidores. E o pior, muitos dos seus seguidores não vêem problemas nesses actos ilegais, ainda elogiam, vangloriam e idolatram aqueles bem de luxos.

São gerações que apenas seguem a manada e não pensam por si próprias.

Nos trabalhos comuns não tem qualquer problema em passar por cima de colegas, apenas para ganhar mais, com ambição desmedida.

Eu sei que é errado generalizar, mas isso está a acontecer, geração após geração, este tipo de pessoas são mais.

A moeda

Eu sou um forte crítico das políticas de expansão monetária realizadas pelo BCE, mas na verdade, sem o euro a impressão de dinheiro seria bastante pior, não tenho qualquer dúvida. Os governos portugueses iam usar e abusar das desvalorização cambial, gerando enormes inflações, seríamos a Argentina da Europa.

Neste momento o euro é essencial para a nossa economia, estamos totalmente dependentes do euro, se o euro terminar ou apenas Portugal sair, será uma desgraça, será o rastilho para a Tempestade Perfeita.

Tempestade Perfeita

Com a saída de Portugal do euro, é inevitável a criação de uma nova moeda. O governo iria imprimir dinheiro sem fim

Ao fazer uma forte desvalorização da moeda, tem como consequência o aumento exponencial do custo da dívida (que está precificada numa moeda forte), em poucos dias, a dívida seria multiplicada muitas vezes. Se agora já temos muitas dificuldades em pagar a actual dívida soberana, seria impossível pagar a “nova” dívida.

O Estado entrava em bancarrota, e vai gerar cascata de falências, os bancos também não conseguiam pagar os empréstimos dos bancos estrangeiros, voltamos ao problema de 2012, mas desta vez o problema é bem superior. Ou o estado teria de nacionalizar todos os bancos ou então as casas das pessoas passavam para os credores. Como os Portugueses não iriam conseguir pagar os créditos de habitação, seria milhões de Portugueses sem casa. Nesta situação sim, a bolha do imobiliário arrebentaria.

Outro factor que poderia entrar nesta tempestade perfeita é a Segurança Social, poderia também entrar em colapso.

Uma taxa enorme de desempregados e os empregos que existem não passam de ordenados mínimos. Como entra pouco dinheiro na SS e a sair muito para pagar aos actuais reformados, era o rebentar do ponzi.

Os trabalhadores do activo começam a questionar o porquê de pagar a SS, porque eles já sabem que não vão ter reformas, todos sabem que o sistema irá colapsar.

O país completamente falido, com uma taxa de impostos enorme para pagar uma dívida soberana, seria também necessário injectar dinheiro na SS para as reformas. A população ficaria longos anos a trabalhar apenas para pagar impostos.

Isto iria criar uma enorme revolta geracional, os jovens estão a sofrer e a pagar uma dívida que foi realizada pelos mais velhos. Esta revolta social, junto a uma geração egocêntrica, será uma fórmula explosiva, será o início do fim da chamada Solidariedade Intergeracional.

Os jovens vão se unir e como eles são maioria, vão fazer um referendo, onde vão recusar pagar a dívida soberana e a SS. Será um reset à economia, mas vai deixar milhões de reformados na miséria.
É claro que isto é apenas uma projecção, talvez um pouco apocalíptica, talvez, mas se Portugal sair do euro, será uma catástrofe. Poderá não acontecer tudo o que eu falei neste texto, mas certamente muita coisa irá acontecer.